O Estado da Nação Hoteleira: De olhos nos erros passados
A Publituris Hotelaria juntou os principais grupos hoteleiros para debater a actualidade. À mesa estiveram Pestana, Vila Galé, Hoti Hotéis, Altis, Turim e Sana Hotels. Leia sobre os assuntos discutidos no decorrer deste mês, no site da revista.
O Estado da Nação é um debate que tem lugar todos os anos, por norma no final de cada sessão legislativa, antes das férias parlamentares. Um espaço onde é debatida a situação do País e o Governo e oposição confrontam o trabalho feito. Nós quisemos saber o Estado da Nação Hoteleira. Coincidentemente, estamos no início da época alta. Para isso, juntámos os presidentes, CEOs e administradores dos principais grupos hoteleiros portugueses.
Manuel Proença, presidente da Hoti Hotéis; Raul Martins, presidente do Grupo Altis; José Theotónio, CEO do Pestana Hotel Group; Carlos Silva Neves, administrador da SANA Hotels; Ricardo Martins, CEO da Turim Hotels; e Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador dos Vila Galé Hotéis; foram os nomes cujas agendas conseguimos sincronizar por uma hora e meia para se juntarem num pequeno-almoço no InterContinental Estoril. Preço x Ocupação e quem é que está realmente a lucrar: Hoteleiros ou Distribuição?; Limitações do Aeroporto de Lisboa, possível excesso de oferta e necessidade de regulação; Como concorrer com novos conceitos de Alojamento; e, por último, a sustentabilidade do Turismo e perspectivas para o futuro. Estes foram os temas lançados.
De olhos nos erros passados
O primeiro tema foi, provavelmente, dos que suscitou mais discussão. Começou ameno, mas as diferentes posições não demoraram a conhecer-se.
Gonçalo Rebelo de Almeida foi o primeiro a tomar a palavra. O aumento da procura é indiscutível, faz parte do ciclo positivo que se vive e “faz com que haja margem para subir os preços”. Uma opinião transversal a todos os protagonistas.
Porém, a verdade é que “em muitas situações estamos a repor, no fundo, a degradação de preços a que se assistiu no período de 2009-2014, em que se andou a sacrificar preço”, em algumas situações “muito próximas do ridículo”. O administrador da Vila Galé confessa que não se pode “queixar”, mas refere que vivemos um ciclo positivo, à semelhança do que já aconteceu outras duas vezes nos últimos 30 anos. Mas “se for actualizar o valor [dos hotéis best seller em 2000] e introduzir o factor correcção monetária, não estou com valores muito acima do que fazia na altura. Obviamente que em valor absoluto há uma diferença grande, mas o dinheiro também tem outro valor. Portanto, não é assim uma coisa espectacular.”
O tema rentabilidade envolve uma componente imobiliária e aqui existem dois aspectos a considerar, segundo Gonçalo Rebelo de Almeida. Por um lado, temos o preço inflacionado do investimento em Lisboa. Do outro, o “perigoso” contentamento com “rentabilidades relativamente baixas”, dado a falta de alternativas do investimento noutros sectores. “Se tiver capital disponível e tiver como opção deixar na banca, num depósito a prazo, e não dar dinheiro nenhum, ou investir num activo imobiliário e dar-me 3 ou 4% de rendimento, as pessoas já estão contentes com este valor.” Porém, se são estes os valores “em períodos positivos”, o risco “da rentabilidade ser muito duvidosa quando houver um ciclo negativo é grande”.
A lógica por detrás do investimento na Hotelaria e no Imobiliário é diferente: “A nossa rentabilidade vem do resultado operacional que aquilo gera enquanto hotel. A lógica deste tipo de investidores é de comprar agora para tentar vender a seguir com uma mais-valia.”
José Theotónio concorda com as ideias já expostas, refere a perda de competitividade do Turismo face ao imobiliário no que concerne a novas unidades e alerta para a “bolha” já vivida em anos passados.
O CEO dos Pestana puxa a distribuição para o debate. Assumindo um modelo de desintermediação dos operadores turísticos e agências, o responsável sublinha que “o crescimento dos custos quer na captação de fluxos directos, quer da intermediação dos canais online tem vindo a subir de forma exponencial e, no fundo, essas empresas são hoje aquelas que se estão a apropriar de uma forma importante daquilo que é o valor que o turismo tem vindo a criar e… Enfim, os números são divulgados por eles: 25% das receitas da Google vêm do travel. Se assim é, quer dizer que esse dinheiro está a ficar nessa parte das empresas electrónicas.”
Manuel Proença alerta, por seu lado, que a recuperação de preço é sentida nas
chamadas grandes r
Na distribuição, o sector tem pouca margem de discussão com as grandes plataformas e acaba por se ver quase que forçado a aceitar as comissões de 20 e 25% exigidas, sob a pena de ‘deixarem de existir’ comercialmente. “E há uma grande parte deste bolo que é o Turismo que, no fundo, acabou por se posicionar fora do país nestas plataformas. Isto é um fenómeno, digamos que relativamente recente, que é muito difícil de combater”, diz o representante da Hoti Hotéis.Ricardo Martins considera o poder das plataformas online – que alteraram radicalmente a forma de comercialização – “perigoso” e sublinha outra vertente desta perigosidade: o “chashflow directo”, ao contrário do que acontece na tour operação, “porque a tesouraria permite que as pessoas tenham mais ambição e voem mais alto”. A isto junta-se a já falada questão do imobiliário e a falta de consciência em alguns processos de análise. “O preço do imobiliário está de tal forma que se pondera e fazem-se contas duas, três e quatro vezes para ver se, de facto, os projectos são rentáveis.”Subir preçosRaul Martins concentra-se na rentabilidade. Afirmando que o “rumo da actividade hoteleira modificou-se”, esclarece que os anos de crise levaram muitas “empresas a endividarem-se para pagar ordenados, fornecedores e manter o negócio”. Uma situação que está, agora, a ser amortizada. “Só em 2016 é que começámos a vender ao preço de 2007”, diz, referindo-se à cidade de Lisboa, onde o Altis concentra actividade. Também a distribuição concentra um maior volume das reservas, independentemente da subida ou não das comissões.
A solução, advoga, passa “pelo aumento de preço na época alta”. “Na baixa estamos a aumentar ocupação”. Só assim a indústria pode ter “melhores resultados e autonomia financeira”. Algo para o qual o aumento do preço do imobiliário já contribuiu, pois os activos “passaram a valer mais”.Carlos Silva Neves concorda com a subida do preço, mas é mais disruptivo na sua abordagem. “Vejo as coisas de uma forma muito diferente. Eu não me queixo que o preço do m2 do imobiliário está alto ou baixo. Vejo da seguinte forma: qual e o potencial que nós, portugueses, temos; a capacidade que temos de fazer; como fazemos e acreditamos fazer. E, depois, as coisas vêm por acréscimo e consequência”.E o que significa isto? Muito resumidamente, não vender Portugal como um destino barato. Nivelarmos os nossos preços pelo panorama europeu. O preço, o nosso valor, diz respeito ao nosso produto e, nisso, a nossa qualidade é indiscutível, defende o responsável dos Sana.A celeuma foi instalada com a questão do preço, que levou Manuel Proença a falar no “reinado” do Revenue Management e que “quem manda é o mercado, não fazemos preços baixos porque queremos”; enquanto Gonçalo Rebelo de Almeida ressalvou que “o produto não pode ser todo cinco estrelas” e Ricardo Martins frisou a necessidade de “consolidar o destino”. O que levou Carlos Silva Neves a reafirmar que Portugal deve ser vendido como um “destino diferente”, uma “alternativa”, e não um destino barato.
* Este artigo foi publicado na íntegra na edição de Junho, número 137, da revista Publituris Hotelaria