O negócio da gestão de activos hoteleiros não é propriamente novo. Teve o seu ‘boom’ com a crise económica que assolou o País, e o mundo, mas se os tempos conturbados ficaram para trás, o mesmo não se pode dizer destas empresas. Pelo contrário, quem já existia, evoluiu e continua a dar cartas no mercado. Outros, analisaram o mercado, viram novas oportunidades e criaram o seu negócio.
Mas que negócio é, hoje, a gestão de activos? Como é que estão no mercado e como é que vêem o destino? E o futuro? Foram estas questões que nos levaram a juntar quatro responsáveis de empresas diferentes naquele que é o 3.º Business Breakfast Publituris Hotelaria powered by Roca, que teve lugar na Roca Lisboa Gallery. Margarida Almeida, da Amazing Evolution; Francisco Nogueira de Sousa, da Blueshift; Marco Rodrigues, da OCRAM; e Miguel Velez, da Unlock Boutique Hotels; são os protagonistas deste debate.
O negócio
A Amazing Evolution e a Blueshift são as empresas mais antigas entre as convidadas. Fundadas em 2012, nasceram como resposta às dificuldades na gestão de activos hoteleiros na altura. Margarida Almeida, managing partner e fundadora, considera que “houve uma evolução muito grande”: “Hoje, é uma gestão muito mais profissional do que era há dez anos. Quando a crise se instalou, a maior parte dos projectos era gerida directamente pelos particulares ou pelas marcas. Abriu-se aí uma oportunidade, no caso da Amazing, e penso que é transversal, que foi, com a experiência que tínhamos – a minha não era de hotelaria –, poder criar outras formas de aproximação à gestão de activos, com racionais que, até então, eram completamente inexistentes.”
A carteira de clientes começou com “as instituições financeiras, depois vieram os particulares, os family offices, e, agora, acrescentam-se os fundos privados, sobretudo internacionais, que querem investir no País e precisam de um local operator partner”.
Francisco Nogueira de Sousa, CEO e fundador da BlueShift, traz uma “experiência muito parecida”. “A única diferença é que, hoje em dia, somos contactados maioritariamente por proprietários de hotéis, quando o negócio não lhes está a correr conforme tinham pensado.” “E começamos a sentir agora uma procura imensa de pessoas que se candidataram ao 2020 e cujo período de carência está a terminar e começam a aperceber-se que não está a correr como o previsto.”
A BlueShift assinala, ainda, “uma transformação engraçada na forma como estamos a comunicar. Começámos com instituições financeiras e o tipo de relação e linguagem que se cria para esta evolução ao longo dos últimos cinco anos é incrível”, diz Francisco Nogueira de Sousa, precisando que “chegámos a um ponto em que é tudo tão diferente que quase não lhes importam coisas que para nós eram quase que métricas fundamentais e é dada importância a coisas que, para nós, tem uma relevância muito significativa”.
Cronologicamente, segue-se o aparecimento da Unlock Boutique Hotels, numa lógica muito diferente das anteriores. Miguel Velez, fundador e CEO, explica que a empresa surgiu de um “exercício de marketing”. “Na altura achámos que realmente os hotéis mais pequenos tinham um problema de dimensão e a ideia foi tentar juntá-los e, de alguma maneira, criar um conjunto de serviços partilhados. Depois começámos adquirir unidades e, agora, temos um misto dos dois negócios”. O gestor fala, também, nos términos dos períodos de carência de dos diversos fundos e alerta para a taxa de crescimento de quartos prevista no futuro. Mas já lá vamos.
Falta-nos apresentar a OCRAM. O elemento mais recente na área. Marco Rodrigues, managing partner – que traz consigo experiência na hotelaria –, explica que a empresa nasceu “efectivamente da operação”, há um ano. “Fomos abordados por um banco, que nos perguntou se estaríamos interessados na gestão de um activo. Começámos como esta unidade e melhorámos muito a rentabilidade do próprio hotel. Depois, numa outra frase, criámos a marca.”
Oferta turística e preço
A subida do preço médio em Portugal foi um dos temas que mais debate criou entre os convidados e que, como não poderia deixar de ser, levou à questão da oferta, a existente e a que está projectada.
É unânime entre os gestores que o preço praticado em Portugal não é o desejado. Mas a sua subida ou a forma como o fazer gera mais atritos.
Miguel Velez começa por falar na oferta turística e na sua perspectiva de aumento, afirmando que “a taxa de crescimento de quartos disponíveis é muito superior a taxa de crescimento dos turistas”. Algo que, mesmo não havendo qualquer crise no futuro mais próximo, poderá impactar o preço.
O CEO da Unlock defende que a “elasticidade do preço” acaba sempre por quebrar e que para que o preço suba é preciso que todo o destino o faça. “Não estamos sozinhos no mercado, a elasticidade de preço vai até uma certa altura, portanto é preciso que os outros subam para subirmos um pouco mais. E o problema do excesso da oferta é que, ao aumentar o número de quartos a um ritmo superior ao que cresce a procura, mesmo em taxas de crescimento aceleradas que estamos a ter, leva obrigatoriamente a que o mercado em geral faça uma pressão sobre o preço.”
Uma consideração na qual Margarida Almeida não se revê a 100%. “Depende do posicionamento que quisermos. Faço isso diariamente e depende daquilo definimos para o projecto. E eu não cedo. Neste momento, não baixo o preço. Temos a nossa métrica anual, que varia consoante a taxa de ocupação e da época, mas chega a um limite que não baixo”, explica a responsável da Amazing.
“É verdade que também estamos num ciclo positivo e, como tal, temos de esperar pelos tempos menos bom, que espero que tardem. Mas acho que é esse o grande desafio: criar produtos diferenciadores. Acho que faltam marcas internacionais de referência em Lisboa, no Algarve, no Porto e no Interior. Também faço a gestão de hotéis no Interior e sei quão difícil é. Isso ia ajudar a aumentar o nosso preço. Agora, têm de ser marcas diferenciadoras”, salienta.
Embora concorde com a necessidade de diferenciação, Miguel Velez é directo ao dizer que, “mesmo que alguns produtos sejam diferenciadores e tenham marcas muito especificas, não conseguem continuar o seu caminho normal de subida do preço porque a elasticidade acaba por partir”.
Marco Rodrigues adiciona outra variável à equação, numa área concreta do País: a “falta de concorrência” no Interior.
Mas concorrência esta que seja diferenciadora e não só porque os tempos convidam ao investimento, concordam os gestores.
Tour operação e investidores
A conversa sobre o preço leva, invariavelmente, ao debate sobre a tour operação e a dependência do sector em determinadas regiões, como é o caso do Algarve e da Madeira.
É Miguel Velez que traz o assunto para cima da mesa, referindo que, apesar de não existirem sinais de crise, a verdade é que o Algarve “já começou a ter problemas nas vendas” devido ao ressurgimento de mercados como a Turquia e a Grécia e ao fenómeno Brexit.
“Há muitos hotéis no Algarve que estão 50% abaixo de reservas para o Verão do que estavam no ano passado. E é um problema de tour operação”, afirmou, ressalvando que a maioria dos projectos na região está dependente da tour operação: “Agora estão todos a tentar realinhar as agulhas, a tentar fazer um equilíbrio, mas a verdade é que a tour operação enche um período de meses muito superior. Começa muito mais cedo e acaba mais tarde.”
Marco Rodrigues mostra-se de acordo com Miguel Velez, avançando que a dependência deste negócio no Algarve ronda os 40%; enquanto Margarida Almeida confessa não ter este tipo de negócio, mas foca a necessidade de diferenciação e inovação para que esta dependência não se dê. “Penso que há um trabalho que temos todos de fazer. Não nos podemos resignar a isso, não digo que os tour operadores não são importantes, mas não podem ficar com a fatia maior do negócio”, defende a responsável da Amazing.
Miguel Velez, que concorda de fundo com o problema da falta de diferenciação, vai, mais uma vez, directo ao assunto quando fala no problema do investimento que tem de ser pago.
Francisco Nogueira de Sousa usa a palavra para falar na origem destes desafios: “Creio que o que o grande problema está na forma em como esses hotéis são feitos: não são criados conceitos, as pessoas não pensam em inovação, diferenciação e, depois, estão, dependentes de terceiros ou do próprio mercado. Se criarem o próprio mercado, isso não sucede da mesma forma.”
No entanto, o responsável da BlueShift faz, também, referência à “pressão do proprietário em pagar as contas”, que, por vezes, acaba por levar ao negócio da tour operação com o intuito de equilibrar a caixa.
A Madeira depara-se com um problema maior dado negócio assente na tour operação.
Falta de recursos e salários
Outro dos desafios apontados pelos gestores de activos hoteleiros, e no qual são consensuais, é a falta de pessoal. O tema foi referido por Marco Rodrigues, segundo o qual, esta área assume proporções ainda mais complicada no Interior. O responsável da OCRAM refere, também, a necessidade de haver mais formação.
Miguel Velez vai mais longe e aponta algumas razões para esta falta de pessoal: “Porque há pessoas que não querem trabalhar, por um conjunto de outros motivos e, claro, porque não se paga especialmente bem no sector. E não se paga não é porque alguém anda a meter dinheiro no bolso, é porque não é possível e isso advém de um baixo preço médio.” O aumento salarial só é possível alterar através da subida de preço, o que tem de ser feito “pela qualidade e por posicionar o País como um destino de qualidade”.
Francisco Nogueira de Sousa também fala nos ordenados “miseráveis” e acrescenta a necessidade de manter os colaboradores motivados e com perspectivas de carreira.
Serviço e profissionalismo
Margarida Almeida acredita num futuro do mercado e do negócio “risonho”, mas alerta para os “factores que não controlamos”. “Não vejo o futuro como sombrio, há uma parte que está nas nossas mãos, que é criar coisas novas e diferentes e dar serviço”, algo do qual a gestora não abdica como característica fundamental no desenvolvimento do Turismo em Portugal, mas que, confessa, não tem a certeza se o mercado está ciente.
Marco Rodrigues é da opinião de que “o mercado vai estabilizar” e afirma: “Lisboa já se enquadra como um mercado bem sedimentado a nível mundial. O Porto ainda esta numa fase sensível, que ainda não se equilibrou como mercado e é fundamental termos as duas maiores cidades do País a trabalharem bem.”
“Concordo a 1000% quando a Margarida diz que é preciso serviço. Sou um grande defensor de serviço, não consigo partilhar um bom preço médio se, de facto, não tiver um bom serviço. Agora o problema é precisamente a falta de recursos humanos, não só no Interior, mas no Litoral”, recorda o managing partner da OCRAM, salientando que “só podemos providenciar um bom serviço se tivermos quadros para tal e não temos”. “As fornadas que saem das escolas actualmente são muito inferiores à procura”, salienta.
“Julgo que o verdadeiro paradigma da hotelaria em Portugal não passa por analisar se vai crescer ou não, passa por arranjar a melhor estratégia para que esse mercado se mantenha e isso é feito através do serviço. Se não vamos ter de começar a importar”, conclui Marco Rodrigues.
Francisco Nogueira de Sousa retoma o assunto dos salários, para dizer: “Pagamos miseravelmente às pessoas e começa por aí: esta é uma indústria que se tornou pouco atractiva para se trabalhar. Como ser humano, se tiver outra opção que me chateia metade ou na qual não tenho as mesmas preocupações, e não tiver uma perspectiva de carreira ou que vou crescer, porque é que aceito uma proposta de trabalho?” Para o responsável da BlueShift, “é nossa responsabilidade tornar a indústria atractiva”.
“Penso que o maior problema que vivemos neste tempo, quando as coisas estão a correr bem, é ter administradores que vêm de áreas completamente diferentes a pensarem que são o máximo e que percebem muito disto e esquecem-se que andamos aqui há mais de 20 anos, já passamos por ‘ups’ e ‘downs’ e criámos resistências. São pessoas que entram numa altura de ‘up’ e fazem uma avaliação apenas do que conhecem, querem uma análise qualitativa de algo e esta indústria é muito mais do que é o óbvio”, explica Francisco Nogueira de Sousa, adiantando o que diz serem dois “factores cruciais”: a experiência do cliente, primariamente referia por Margarida Almeida; e os colaboradores. “Vou parecer um pouco romântico, mas é nisto que acredito: não há nada mais importantes que os nossos colabores e as nossas equipas. E as equipas sentirem-se que realmente estamos empenhados em ajudá-los a crescer e desenvolverem-se, conseguimos reter talento.”
A necessidade de mais marcas internacionais no País foi igualmente consensual entre os gestores, que falam no interesse das insígnias, mas explicam que o RevPar em Portugal, um dos critérios de avaliação, não é atractivo.
Por fim, os gestores falam na “falta e profissionalismo” que existe na gestão hoteleira, como denominou Francisco Nogueira de Sousa e no qual se reviram os homólogos. E neste capítulo entram os investidores que não se estão a precaver para o próximo ciclo económico, mas também os projectos fruto de fundos e cujo período de carência está a terminar.