“Mais que tudo, os associados juntam-se a uma causa”
No ano em que a ADHP – Associação dos Directores de Hotéis de Portugal celebra 50 anos de atividade, a Publituris Hotelaria este à conversa com o atual diretor da associação, Fernando Garrido.
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No ano em que a ADHP – Associação dos Directores de Hotéis de Portugal celebra 50 anos de atividade, a Publituris Hotelaria este à conversa com o atual diretor da associação, Fernando Garrido, sobre o percurso da associação, os principais desafios da profissão e os planos para o futuro. A necessidade de formar diretores numa profissão que está “em constante e permanente evolução” dominou grande parte desta entrevista, onde pode ainda ficar a conhecer os temas que serão abordados no XIX Congresso da associação sob o tema “Gerir na Incerteza. Rethink the Future”.
Texto: Carla Nunes | Fotografia: Frame It
Este ano celebram as bodas de ouro da ADHP. Como descreveria o trajeto da associação nestes 50 anos e que relevância tem tido para o setor?
A associação nasce de uma necessidade muito básica, que é haver um contacto entre diretores. Na prática esta necessidade de os diretores se encontrarem tem como grande objetivo não só a partilha de informações, mas também a questão de promoverem as próprias unidades e consequentemente a região onde se integram, numa primeira fase, há 50 anos. Essa necessidade foi-se esbatendo com o decorrer do tempo, mas surgiram outras necessidades de partilha de informação, de ajuda à classe e mesmo de defesa da própria profissão. E quando falamos de diretores não estamos apenas a falar de diretores gerais, estamos a falar de tudo o que são diretores e chefias departamentais, desde o diretor de alojamento ao diretor comercial, recursos humanos e por aí fora.
Durante alguns anos a profissão foi reconhecida e a determinado ponto deixou de o ser, por isso nós continuamos a defender, sendo um setor tão importante para a economia nacional, haver o reconhecimento das profissões, e esse é o caminho que temos feito. Por outro lado, a formação tem sido um grande foco da associação. Somos uma entidade reconhecida pela DGERT e um dos nossos grandes objetivos é formarmos os diretores, numa perspetiva de evolução pessoal e profissional.
Por outro lado, também temos feito um trabalho ao longo destes anos de aproximação às universidades, transmitindo as necessidades de mercado e influenciando os cursos no sentido de se formar melhores profissionais, adaptados à nova realidade que vivemos – dado que a hotelaria é uma área em constante e permanente evolução.
Referiu que a profissão já foi reconhecida, deixou de o ser. Esta falta de reconhecimento ainda existe?
Sim. Neste momento, qualquer pessoa pode ser um diretor de hotel. Até há uns anos havia a obrigatoriedade de se ter determinados anos de formação ou, em alternativa, um curso superior que comprovasse a experiência ou o conhecimento para ser diretor de hotel. Sendo o turismo um dos motores de evolução da economia, é fundamental termos excelentes profissionais qualificados. Daí também termos apostado tanto na formação.
Na entrevista que deu em junho à Publituris Hotelaria referiu-se à criação da Ordem dos Diretores de Hotéis como “um caminho no sentido de fazer com que, não havendo uma regulamentação, exista um princípio de obrigatoriedade”. Em que ponto se encontra a criação desta Ordem?
Neste momento estamos a aguardar pela publicação da nova lei das ordens, que aparentemente já passou o tribunal constitucional e está prestes a ser publicada. Mediante isso vamos perceber qual é a nossa posição, se é possível ou não caminharmos no sentido de uma ordem. Já temos alguns pareceres de instituições relacionadas com o turismo, mas estamos a aguardar para perceber qual é o conteúdo dessa lei.
Será também este ano que organizam o XIX Congresso da associação, desta vez de 30 a 31 de março no NAU Salgados Palace. O que podemos esperar deste evento e que significado tem dado realizar-se no mesmo ano do aniversário dos 50 anos da associação?
Este ano, por serem os 50 anos, é um evento muito especial. Associado a este evento teremos também um encontro de diretores internacionais, em que contamos com a presença representativa da associação espanhola de diretores de hotéis, com quem temos uma grande parceria e que também fez 50 anos. Este é, sem dúvida, o primeiro grande evento desta efeméride da associação, pelo que vamos tocar num tema crucial. A pandemia trouxe-nos uma realidade diferente, impactou-nos fortemente a atividade. O pós-pandemia foi um ano excecional, mas também tivemos grandes desafios – falta de recursos, impactos económicos gigantes, o impacto da guerra em toda a Europa, com o aumento dos custos energéticos e das taxas de juros. Por outro lado, também impactou muito os nossos colaboradores, porque está correlacionado. Mesmo havendo incremento de valores da massa salarial, temos mais dificuldades em recrutar e atrair colaboradores. Por isso, vamos falar um bocadinho nesse sentido, de “Gerir na Incerteza”, porque para além de tudo isto o cliente também mudou o seu perfil de consumo. Antes da pandemia conhecíamos bem o perfil do cliente, fazia as reservas antecipadamente. Hoje é exatamente o oposto: o cliente está diferenciado, as reservas são feitas muito mais last minute, há muito menos previsão de quais são as atividades que vamos ter ao longo deste ano, por isso temos de gerir um bocadinho na incerteza. Então, vamos trazer a palco CEO’s de empresas e diretores de hotel que nos possam dar uma ideia de como estão a gerir, como será o caso da Highgate (nova proprietária do grupo NAU) e do grupo Vila Galé. Vamos ter temas como a questão da sustentabilidade social, com questões relacionadas com a dificuldade de recrutamento, a dificuldade de atratividade do setor e a cibersegurança. Vamos falar ainda sobre a importância dos dados como informação antecipada – uma vez que não há uma estabilidade do tipo de cliente que recebemos, temos de estar muito mais atentos aos dados. Destacamos ainda as novas tendências de talento em hospitalidade, associado à formação, em que vamos ter a Les Roches a fazer uma apresentação sobre as tendências e a evolução de formação. Depois teremos em debate alguém que tem mais a ver com head hunting e um gestor de recursos humanos hoteleiro que vão fazer a ligação entre a parte da formação e a parte mais operacional.
Como têm evoluído os números em termos de captação de associados?
Temos estado bem. Tem havido um reconhecimento do trabalho que tem vindo a ser feito ao longo destes anos e nos últimos tempos temos tido algum dinamismo ao nível de redes sociais, que nos têm trazido um crescimento significativo. No último ano acredito que tenhamos [registado] perto de 50 associados novos, não lhe consigo precisar os números exatos.
Que importância veem os associados na ADHP? No fundo, quais são as mais valias para os diretores hoteleiros se juntarem à vossa associação?
Mais que tudo juntam-se a uma causa. Procuramos defender a profissão, evoluir a profissão, garantindo ferramentas para que isso aconteça. Associado a isto também procuramos protegê-los, tendo por exemplo um seguro de responsabilidade civil no caso de haver algum problema associado à profissão.
Muito se tem falado sobre a falta de recursos humanos para o setor, que este deixou de ser “sexy” e atrativo. É algo que sentem que também tem vindo a acontecer relativamente à profissão de diretor hoteleiro?
Na génese da associação um diretor de hotel nascia desde baixo: muitas das vezes a evolução ia desde bagageiro a diretor de hotel. Hoje não é tanto assim. Cada vez mais os diretores de hotéis são gestores e, sendo gestores, têm de ter todo um conhecimento técnico associado e que passa muitas das vezes por ensino superior ou ensino especializado. De qualquer forma, o acolhimento está muito relacionado com o contacto pessoal e, nesse sentido, é muito importante a parte prática, o que significa que, embora a formação seja fundamental, a maioria dos casos os profissionais que chegam a diretores de hotéis acabam por evoluir de funções mais baixas. Não estamos a falar de evoluir a partir de bagageiro ou rececionista, mas na maioria dos casos os diretores de hotéis iniciam a atividade profissional em funções mais operacionais – às vezes de chefia, outras vezes até começando um pouco mais abaixo. Por termos esta evolução, não é tanto a profissão de diretor de hotel que deixa de ser atrativa, às vezes é o caminho que deixa de ser atrativo. Quem efetivamente se dedica a esta profissão e quer chegar lá tem a noção que tem de passar por esse caminho e isso às vezes é que é desmotivador. A verdade é que é uma área apaixonante, não só a de diretor, mas na generalidade das profissões de hotelaria.
Há também aqui uma mudança na tendência de evolução dentro da profissão de diretor hoteleiro. O facto de não se passar por todas as etapas pode ser prejudicial?
Não. A questão é que hoje, cada vez mais, o diretor é um gestor que tem de ser altamente especializado e, nesse sentido, a formação é fulcral. Antigamente a formação não existia ao nível superior nesta área. Consequentemente, teria de se aprender, como se diz, da “tarimba” – desde baixo até acima, no terreno. Aqui, havendo uma complementaridade da formação, de todo é prejudicial. Temos é de saber implementar a parte que aprendemos nas universidades na prática. Antigamente para se chegar a diretor muitas das vezes demorava-se 20 anos. Hoje uma pessoa que é plenamente formada vem para a operação e, se for dedicada, aplicada em termos de desenvolvimento de conhecimentos pessoais, consegue rapidamente evoluir. Esta profissão necessita de constante reciclagem e formação.
Nesse sentido, estão a ser formados profissionais para as direções de hotel em número suficiente, ou veem-se obrigados a ir buscar diretores à concorrência, potenciando assim a falta de profissionais para estes cargos?
Enquadro isso muito mais em ir buscar ao estrangeiro, não necessariamente à concorrência. Há espaço para tudo: as pessoas estão a ser formadas e depois há um caminho que normalmente acontece. Uma pessoa que sai da universidade normalmente não vai para diretor, há sempre um caminho ainda, por mais curto que seja, que passa pela experiência e transformar a aprendizagem que teve nas universidades em prática. Diria que nesta fase estão a ser formados profissionais suficientes a nível de diretores. Agora, para as posições operacionais é que estamos a ter mais dificuldades. A nível de diretores conseguimos recrutar suficientes e em Portugal.
Como descreveria a formação atualmente disponível para os futuros diretores hoteleiros?
Quanto à formação ao nível dos cargos de direção, existe a formação base, que diria essencialmente superior, e depois há uma constante evolução, que pode passar por cursos de pós-graduação, cursos de especialização, como os que desenvolvemos dentro da associação e que tem uma grande aceitação – aliás, estamos neste momento a lançar um novo curso. Como falava, a hotelaria tem diferentes áreas de abrangência, desde os recursos humanos, F&B, alojamento, e são completamente díspares. O que acaba por acontecer é que cada profissional deve especializar-se na área em que é mais competente e que tem atratividade para si. Nesse sentido tem a formação base, que na sua generalidade é formação superior, e depois deve ir trabalhando a sua evolução de acordo com as suas mais valias, apostando em áreas específicas – desde o F&B, alojamento, recursos humanos, marketing, área financeira, como entender. Depois, faz o caminho que o leva para a direção geral ou fica simplesmente na área que mais gosta. Nem todos têm a ambição de chegar a diretor geral. Tivemos agora o Congresso da ADHP Júnior, que falava de reapaixonar a hotelaria, e é exatamente isso: para ser um bom profissional não é necessário chegar a diretor, posso ser um excelente profissional naquilo que faço, desde empregado de mesa, barman, chefe de restaurante ou diretor de F&B. Se sou bom ali, não tenho de ter a ambição de chegar a diretor. A especialização poderá ser o caminho.
As formações disponíveis de momento cobrem todas as valências necessárias para as especificidades da profissão?
Do mercado, não. Havendo uma constante evolução da profissão e da hotelaria em geral, a formação é evolutiva e está em permanente mutação. Os cursos superiores abrangem na generalidade e, depois, as pós-graduações vão evoluindo na especificidade. A nível da associação temos estado a trabalhar o curso de especialização. Começamos a fazer especializações mais pequenas dentro de determinadas áreas, mas essencialmente, sendo uma entidade certificada, o nosso grande objetivo é disponibilizarmos às unidades hoteleiras formações à medida – identificando as necessidades dessa unidade podemos complementar e fazer toda a parte burocrática e montagem da própria formação.
Mas o que diria que está em falta?
Uma das áreas que sentimos que mais rapidamente evolui e que tem sido, pela sua rapidez, das formações que mais dificuldades poderão trazer é a análise de dados – daí ser um dos temas que trazemos a mercado. Enquanto há uns anos um diretor geral de hotel era muito mais operacional, garantindo que os serviços estavam adequados às necessidades, hoje um diretor geral de uma unidade hoteleira tem de estar muito mais vocacionado na previsão. É uma das áreas mais sensíveis e que mais necessidade tem de evolução de informação e formação.
A implementação de tecnologia e de políticas de sustentabilidade começa a ser referida quase como que imprescindível para os hotéis. Sente que os diretores hoteleiros estão a par das mais recentes tendências neste campo ou ainda há trabalho a fazer?
Há um grande trabalho a fazer. Nunca nos podemos esquecer que a hotelaria nacional ainda é composta maioritariamente (59%) por unidades independentes. Muitas das vezes não existe profissionalização, ou seja, o dono do hotel tanto desempenha o papel de rececionista como de diretor do hotel. Quando estamos a falar neste nível de abrangência, muitas das vezes não há tempo – com a ressalva de que estamos a falar de unidades pequeninas, as 59% das unidades independentes que falo não são todas assim. Quando nos referimos a unidades de menor dimensão, em especial no Interior, onde há menos atividade, estamos a falar de uma menor profissionalização. E, nesse sentido, este tipo de unidades têm mais carências de conhecimentos e possibilidade de aplicabilidade das medidas de sustentabilidade. Não estamos a falar de medidas como reciclagem, mas de medidas muito mais abrangentes, que vão desde as questões sociais às questões ambientais, que são muito mais complexas de implementar.
Quais diriam serem as principais diferenças entre a gestão hoteleira da atualidade e aquela que se poderia encontrar quando a associação foi fundada?
A questão da importância dos dados é fundamental. Há uns anos havia uma maior dedicação à área operacional. Hoje há uma área de previsão que é muito mais importante. Quando comecei a minha atividade profissional começava-se a falar em gestão tarifária, em revenue management, que atualmente é base – toda a gente faz, toda a gente tem competências nessa área. Acho que passa pela análise de números, por sermos verdadeiramente gestores, e é aí que está o foco.
Como perspetiva que será a gestão hoteleira no futuro?
A gestão hoteleira vai mudar, garantidamente. Toda a gente fala da robotização, da falta de serviços personalizados… não é um tema nesta fase. É claro que vai haver simplificação dos processos. Agora, há uma característica que não deixa de existir, que é a hospitalidade, o acolhimento. Isso não vai deixar de existir, há espaço para as duas coisas. Quando estamos a falar de um cliente que está em regime profissional, este quer despender o mínimo de tempo nas partes burocráticas do serviço, nomeadamente check-ins e check-outs. Se puder eliminar estas áreas, melhor. Este mesmo cliente, se vier em lazer com a família, vai despender mais tempo na receção, porque vai querer saber o que é que há para fazer na região, qual é o melhor restaurante. São momentos diferentes. Basta ver uma coisa muito simples: o que é que se procura da hotelaria de luxo? É a robotização ou a particularidade de acolhimento? Se analisarmos os hotéis mais luxuosos do mundo estamos sempre a falar de acolhimento levado ao extremo, cuidado. Por isso é que em Portugal somos tão apreciados. Fala-se que os jovens são muito desprendidos do acolhimento, do relacionamento, que estão muito ligados às tecnologias, mas não nos podemos esquecer de uma coisa: vai haver um período de transição, tal como houve no nosso tempo, mas o futuro são estes jovens que para além de serem profissionais serão os futuros clientes. O facto de não haver um contacto tão direto não é um mau sinal, temos é de tirar o melhor proveito dessa apetência às novas tecnologias e adaptarmo-nos.
E quanto às exigências do diretor de hotel, mudaram? Que perfil tem neste momento?
Sem dúvida uma pessoa muito resiliente, adaptando-se às diferentes necessidades. Posso dizer que no passado o que se valorizava mais era a questão salarial. Atualmente a questão salarial não é tudo – os jovens não procuram um trabalho para a vida, mas que lhes dê qualidade de vida. Temos de nos adaptar a estas duas realidades, em que teremos pessoas que valorizam muito mais o facto de terem tempo para a sua vida pessoal. Estes jovens nem se importam de trabalhar mais horas por dia, garantindo que isso lhes dá mais dias de descanso, e aí poderá entrar a questão tão falada dos quatro dias de trabalho. Depois temos as outras pessoas, que preferem ter o seu horário habitual dos cinco dias. Esta conciliação das duas realidades não é fácil. Posso dizer que no último ano houve muitas unidades a substituírem um colaborador a tempo inteiro por dois colaboradores a part-time, para garantir que tinham operacionais para funcionar em termos de atividade face a esta realidade.
Quais são as novas exigências dos hóspedes? Antevê grandes mudanças para o futuro?
Estamos expectantes. No último ano tivemos falta de recursos. Efetivamente houve um crescimento da receita, mas a verdade é que o serviço que prestámos não foi o melhor, e isso esteve muito associado à falta de recursos. Neste último ano que passou, a sede por sair de casa era tão grande que o cliente esteve disponível para ter uma menor qualidade de serviço, simplesmente pela experiência. O que antevejo é que efetivamente será mais difícil de conhecer o comportamento do cliente. Antes da pandemia havia uma maior previsibilidade do comportamento do cliente, agora há um perfil muito mais irregular, em mutação.
Quais são os planos para a associação?
Nos últimos nove anos de direção apostou-se na certificação da associação ao nível da formação e acho que é por aí que vamos ter de trabalhar. Se queremos profissionais muito competentes, esse é o papel da associação, estar na liderança deste processo e sermos realmente o motor desta mudança e desta aposta na formação. É esse o nosso caminho, estamos a trabalhar nesse sentido, começando com formações dedicadas ao setor e aos profissionais.