“Obviamente que pensei ser chef um dia. [O momento] chegou mais rápido do que pensava”
André Cruz sucedeu a João Rodrigues na liderança do Restaurante Feitoria em maio.
Hotéis Octant em Ponta Delgada e Furnas promovem atividades vínicas
Groupe GM marca presença na Decorhotel para apresentar novidades
Universidade Europeia e Câmara Municipal de Cascais assinam protocolo de cooperação
Crowne Plaza Porto lança Porto Urban Spa com as marcas PostQuam e Rituals
Six Senses Douro Valley aposta da diversificação de mercados
58 hotéis na Tailândia distinguidos com Chaves Michelin
Parque Terra Nostra investe em obras de valorização do tanque termal
2ª fase do programa “Competências do Futuro Algarve” com 28 ações de formação e sete ‘bootcamps’
Algarve reduz em 13% consumo de água com selo “Save Water”
Alojamento Local dos Açores pede reforço do investimento no combate à sazonalidade
Os primeiros passos no Feitoria começaram em 2009. Agora, André Cruz assume a cozinha do restaurante do Altis Belém Hotel & Spa, um cargo que até abril era ocupado pelo chef João Rodrigues.
Após um percurso que considera “sólido”, e depois de uma viagem gastronómica pelo Chile e a Bolívia, o chef André Cruz assegura a liderança com uma nova carta, a “Semente”.
O que o fascinou na cozinha?
Sempre tive muita curiosidade em fazer coisas de pastelaria em casa. Quando decidi entrar na Escola de Hotelaria do Estoril, a ideia era ir para pasteleiro. Mas depois a coisa foi mudando. A cozinha foi-se tornando muito interessante para mim, [pelo] improviso e a adrenalina. Na pastelaria temos que ser um bocadinho mais certinhos. Gosto de estar muito solto e a cozinha deu-me essa possibilidade.
Quem foram os principais mentores no início desta aventura e como o influenciaram?
[Um deles foi] o chef Bertílio Gomes, que na altura trabalhava no restaurante Vírgula. Usávamos os melhores produtos do país e estávamos a fazer um grande trabalho, muito honesto, verdadeiro. E depois, obviamente, o João Rodrigues, com quem trabalhei muitos anos. Temos uma ligação de amizade muito profunda.
É necessária alguma simbiose na cozinha para que as coisas resultem?
Quando chegamos a um nível de ligação e trabalho tão próximo como aquele que eu e o João tínhamos na altura, tem que haver mais do que profissionais para chegarmos a um determinado patamar. Geralmente, a ligação pessoal também pode ajudar a que as coisas se construam. Obviamente, nem todos os chefs e subordinados são amigos. Nem têm que ser! No nosso caso somos, e as coisas aconteciam com muita naturalidade e o que aparecia era realmente giro e bonito.
Como descreve a passagem do Vírgula para o Feitoria? Foi uma mudança grande ou uma transição natural?
São sítios e estilos diferentes. Na altura, o Vírgula tinha um nível muito alto, tanto em termos de produto como técnicos. Quando vim para o Feitoria não tinha a estrela Michelin, era um projeto novo, algo que estava a crescer. Mas claro que era impactante. O próprio investimento do Altis Belém era muito falado em Lisboa, [bem como] o chef Cordeiro, que assumiu pela primeira vez a unidade. Foi uma transição diferente, mas são dois sítios muito bons, que me marcaram muito.
Notou diferenças entre o serviço de restaurante de rua e de hotel?
Sim, a dinâmica é muito diferente. Neste restaurante temos um estilo mais clássico, cuidado. O outro era mais dinâmico, simples, tranquilo. [Mas] não se pode dizer qual é o melhor. São diferentes, e se calhar por isso ganhei algumas valências – trabalhei solidamente nos dois e consegui envolver-me com a operação. Tornaram-me um profissional mais capaz, com mais ferramentas.
De onde surgiu a necessidade de fazer uma pausa e viajar para a América do Sul?
Querer experienciar algo mais profundo, mais distinto, como dizem lá. Tinha que ter uma experiência que rompesse com aquilo que estava a ter até então. Falei com um grande amigo meu, o Ruben, que trabalha no Gadanha, em Estremoz, e fomos pela América do Sul fora com um estágio combinado no Boragó, [no Chile, do chef Rodolfo Guzmám]. Tivemos uma experiência realmente incrível de produtos e estilos de vida totalmente diferentes. Depois também passámos pelo Gustu, [na Bolívia, da chef Kamilla Seidler]. São mundos diferentes, e isso é que é giro quando viajamos. Trazemos um mundo novo para dentro da nossa realidade e crescemos com ele.
Enquanto profissional passou a percecionar os ingredientes de forma diferente?
Às vezes tentamos complicar e o bichinho que o chef [Rodolfo Guzmám] nos incutia era de simplificar, desmistificar, interpretar, haver um motivo para usarmos isto ou aquilo. Pensando desta maneira, as coisas tornam-se muito mais especiais, verdadeiras e coerentes.
Há algum prato que guarde na memória dessa viagem?
Tínhamos um que estávamos sempre a brincar com o nome, o Congro com caldo de cochayuyo. É uma alga grande, um bocadinho sem jeito, mas o [chef Guzmám] olhou para aquilo, interpretou e fez um caldo maravilhoso. Como era um nome giro, e o prato muito cénico, foi o primeiro que me veio à cabeça.
Havia ainda o tártaro de veado, o primeiro prato que comecei a empratar no Boragó. Tinha umas folhinhas que recoletávamos, porque todas as semanas íamos ao campo apanhar ervas. Foi muito engraçado porque fui ter com o rapaz que estava a empratar e perguntei-lhe se havia algum método ou especificidade, e ele diz-me: “Tens que fazê-lo como se estivesses a olhar para um bosque”. Ok, grande ajuda! [risos].
O que trouxe na bagagem e aplicou no Feitoria?
Liberdade, em termos de pensamento. Quando saí de Lisboa ia um bocadinho desmotivado, e a viagem até aconteceu por causa disso. Deu-me a liberdade que sentia que não tinha. Conheci-me muito mais e trouxe esta liberdade de querer fazer coisas diferentes e não ter problema em fazê-las.
É a primeira vez que assume um projeto. Alguma vez tinha considerado fazê-lo? Imaginou que pudesse ser no Feitoria?
Se me perguntasse há um mês se iria ficar aqui como chef executivo, ia dizer-lhe que não estava bem [risos]. Mas a coisa aconteceu desta maneira. Normalmente, o chef executivo fica e os números dois vão saindo, é a vivência natural de um restaurante. Nunca pensei ficar no Feitoria, a coisa aconteceu realmente muito rápido. Obviamente que sim, pensei ser chef um dia. [O momento] chegou mais rápido do que pensava.
Porque optou pelo conceito do Semente?
O conceito ainda está a ser trabalhado. O menu teve que ser feito rapidamente, porque quis dar o meu cunho ao menu. O nome “Semente” nasceu porque, quando plantamos, é na expetativa que cresça algo. E o “Semente” é isso: um menu que foi semeado e agora está com perspetivas de crescer, de se desenvolver, e de um dia ser uma flor ou árvore bonita na restauração.
Como surgiu a paixão pela natureza?
O gosto nasceu quando era pequeno. Os meus avós acolheram-me no Douro e passei lá muito tempo, aquilo é quase uma casa para mim. Tive experiências incríveis que se calhar, hoje em dia, muitos miúdos não têm, como beber o leite acabado de sair das vacas, cultivar, andar a cavalo…. Hoje tenho dois espaços com a minha mulher: um no Pinhal Novo, onde passamos muito tempo, e terrenos no Norte, com olival, montado, agrícolas. Gostava muito de trazer [esta vivência] para a carta, porque é algo que me caracteriza.
A sustentabilidade também é uma preocupação que cabe aos chefs?
Tem que ser uma responsabilidade de cada chef. Somos naturalmente formadores. O chef de cozinha que coordena uma equipa e um restaurante está todo o dia a formar profissionais, e é necessário ter bem presente a importância da sustentabilidade e passá-la [aos colaboradores]. Se em 20, 30 pessoas pudermos mudar o chip a três ou quatro, já valeu a pena todo o trabalho.
Qual o maior desafio para um chef, atualmente?
Formar equipas e consolidá-las. Acho que isso também vai ser um desafio para os chefs do futuro – olhar para as equipas e pensar se os ambientes mais hostis fazem sentido, se as 15 a 16 horas [de trabalho] por dia fazem sentido. Será que é saudável? [Atualmente], a cozinha tem que ser atrativa para os jovens. Se não tiverem vontade de vir para a restauração, vai ser muito difícil formar equipas e consolidá-las. Este será um grande desafio para o futuro: ter equipas boas e competitivas, mas felizes.