Opinião: “Turismo de Elites”
Leia aqui a opinião de Alexandre Marto Pereira, CEO da United Hotels of Portugal.
Verão de 2035.
O secretário de Estado do Turismo (SET) recebeu um telefonema a meio da noite. A situação era urgente. O presidente da Câmara de Repolho do Sul (PCRS) tinha passado a obrigar qualquer visitante a vestir fraque durante o dia no município (vestido longo para as senhoras). Dizia à imprensa que era a bem do turismo. Consequentemente, o SET deveria tomar uma posição.
O SET conhecia o PCRS dos tempos em que iam juntos à FIT em Buenos Aires (um era presidente da ARPT, o outro era presidente da junta). Eram amigos e colegas de partido. Sabia da ambição do autarca em tornar Repolho do Sul um destino turístico de exceção. Essa ambição estava mais próxima agora que a vila tinha recebido o seu primeiro hotel, fruto de um investimento do próprio município, através da Sociedade Municipal de Desenvolvimento Turístico – a SoMudestu.
Telefonou-lhe imediatamente.
“Caro SET, passo a explicar. A imprensa nacional é mais racional, analisa profundamente os temas, tem um pensamento crítico. Mas aqui a imprensa local é menos preparada: não para de me atacar e de atacar o sucesso do turismo em Repolho, aliás de forma esquizofrénica.
Com a abertura do hotel, fomos acusados de fazer preços muito baixos. Com esses preços, dizia o jornal Repolho da Manhã, não deixávamos valor acrescentado no burgo, apostávamos em salários baixos e em pouca qualidade. Era preciso mais valor.
Por isso decidi dar formação ao pessoal, adicionei um spa e aumentei as tarifas. Mas o diário Repolho da Tarde acusou o hotel do município de se estar a aproveitar da onda turística cobrando preços incomportáveis para os portugueses!
Pensei imediatamente em ter preços distintos para portugueses e internacionais, assim o matutino e o vespertino ficariam satisfeitos, mas alguém me disse que seria ilegal.
Tive então uma epifania enquanto comia uma dose de cabrito à repolho: como todos apoiam as taxas turísticas, passei a cobrar uma taxa turística que é o triplo da tarifa do quarto, isentando de pagamento os portugueses. Um sucesso! Tudo legal, ao que parece. De qualquer forma, o bolso é o mesmo, e este hotel não precisa de ter resultados… E poucos ligam à carga fiscal…
A receita da taxa vai permitir contratar a pessoa que preciso para o departamento de turismo de Repolho do Sul, o nosso companheiro Esteves, e para o stand do ‘Visit Repolho’ na ILTM de Singapura. E depois teremos de arranjar um subsídio para o hotel.”
“E o fraque?”, perguntou o SET
“Isto está a correr bem, como sabemos nenhuma taxa turística modera a procura. Os dois jornais teimam em acusar-me de querer a massificação do turismo. Contra a massificação, tenho a elitização. Por isso, quem quer ter o privilégio de usufruir do importante evento que é visitar Repolho, tem de vir de fraque. E mais: à noite, se quiser ir ao café central comer uma bola de Berlim (3 euros, sem creme), tem de vestir smoking. Isso da democratização do turismo em Repolho, nunca! Turismo, só de elites e de fraque!”.
Alexandre Marto Pereira
CEO da United Hotels of Portugal
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição 219 da Publituris Hotelaria.