Opinião: “Superar o excesso de turismo”
Leia aqui a opinião de Graham Miller, presidente da Rodrigo Guimarães Chair e professor de Negócios Sustentáveis. Diretor Académico do Westmont Institute of Tourism and Hospitality da Nova School of Business and Economics.
No final de julho, o presidente da câmara da ilha grega de Santorini emitiu um aviso para que os residentes da ilha permanecessem em casa. Isto deveu-se ao facto de serem esperados 17.000 visitantes de cruzeiros na ilha nesse dia, quase o mesmo número que os 20.000 residentes. Naturalmente, esta medida suscitou uma forte reação por parte da população local, que se sentiu obrigada a ficar em casa para dar mais espaço aos turistas. Em 2023, registaram-se 63 dias com mais de 10.000 visitantes por dia na ilha. No entanto, Alexandros Pelekanos, vice-presidente da associação comercial de Santorini, considera que ainda há espaço para receber mais turistas, dizendo aos meios de comunicação social: “Queremos dinheiro ou não? Não podemos ter dinheiro e paz”.
O tema de estabelecer limites no número de turistas que podem visitar um local não é novo. No entanto, o excesso de turismo tem ganho destaque nos últimos anos e cidades como Barcelona, Veneza, Quioto, as Ilhas Canárias e Amesterdão têm atraído atenção, já que as populações locais têm mobilizado diferentes tipos de respostas aos problemas que o excesso de turistas acarreta. Atirar água aos turistas, manifestações, graffiti ou simplesmente desprezo pelos visitantes não são as manifestações de boas-vindas que os líderes do turismo desejam, mas mostram que os habitantes locais se preocupam com os sítios onde vivem. Trata-se, assim, de um bom sinal para a democracia local e o envolvimento cívico. O desafio é tentar gerir o turismo de forma a não provocar protestos.
Um dos problemas do excesso de turismo é o facto de não existir uma forma simples de o medir ou calcular. Londres e Paris têm muito mais turistas do que Barcelona e, no entanto, não há registos de protestos nessas cidades, em comparação com o exemplo espanhol. Lisboa e Florença têm uma proporção de turistas em relação aos habitantes locais semelhante, mas as dez principais atrações turísticas de Lisboa estão espalhadas por uma grande área da cidade, enquanto em Florença estão concentradas numa área inferior a um quilómetro quadrado. Em cidades como Amesterdão, Lisboa e Viena, uma elevada percentagem de turistas é estrangeira, o que tende a criar um maior risco de protestos, ao passo que em Berlim, Londres e Edimburgo quase metade dos turistas são nacionais.
Existem muitas abordagens diferentes para tentar gerir o excesso de turismo. Uma das abordagens mais comuns é tentar atrair turistas mais “sofisticados”, que gastam mais dinheiro. No entanto, estudos indicam que estes turistas requerem normalmente mais produtos importados e de luxo quando ficam alojados em hotéis noutros países, pelo que, em termos gerais, fica menos dinheiro no destino do que se os turistas comprassem produtos produzidos no país. Para tornar o turismo mais sustentável, é necessária uma estratégia económica que promova ligações mais fortes na economia, reduzindo as importações e, consequentemente, a fuga de dinheiro do país. Passa por reter mais dinheiro do turismo e não ganhar mais dinheiro que permitirá incentivar a redução do número de turistas, aliviando assim a pressão sobre as infraestruturas.
Outra estratégia comum consiste em incentivar os turistas a serem mais “autênticos” e a procurarem o verdadeiro destino, longe das armadilhas turísticas. Mas, mais uma vez, o risco é que isto force os turistas a irem para áreas mais remotas onde vivem os habitantes locais, fazendo com que os turistas perturbem mais a vida quotidiana do que se ficassem numa área concentrada e os habitantes locais simplesmente evitassem essas áreas. Estudos indicam que os habitantes locais que vivem fora do centro da cidade tendem a ficar menos incomodados com os turistas porque os conseguem evitar! A Tourism Cares tenta resolver este problema produzindo um “Mapa de viagem com significado” para destinos que se centram na promoção de áreas onde os habitantes locais beneficiam de forma significativa do turismo.
Assistimos também ao aumento da argumentação a favor dos impostos e taxas turísticas. Embora possam gerar receitas para o governo, há poucas evidências de que contribuam para reduzir o número de visitantes, pelo que não aliviam o congestionamento nem resolvem o problema da população local que sente o impacto. A limitação do número de passageiros de cruzeiros em Barcelona, a proibição total de cruzeiros em Amesterdão, as tentativas de impor uma moratória ao desenvolvimento hoteleiro em Lanzarote e as restrições a plataformas de alojamento como a AirBnB em Quioto são abordagens que têm sido adotadas com diferentes níveis de sucesso.
Em última análise, a existência de protestos contra o turismo depende da medida em que a população local sinta que tem um verdadeiro controlo sobre o volume e a gestão do turismo na comunidade onde vive. Localizar o turismo significa incorporar as vozes locais nos planos de turismo para criar influência e oportunidades para a população local. Amesterdão está a desenvolver estratégias de turismo que priorizam a população local, e o Turismo da Flandres está a mudar o seu papel como Organização de Gestão de Destinos para colocar o bem-estar dos residentes acima dos interesses turísticos. Estas abordagens alteram a forma como gerimos o turismo, passando de uma tentativa de utilizar os habitantes locais para melhorar o turismo, utilizando-o para melhorar a vida das pessoas. A ironia é que isto acabará por melhorar o turismo!
Graham Miller
Presidente da Rodrigo Guimarães Chair e professor de Negócios Sustentáveis.
Diretor Académico do Westmont Institute of Tourism and Hospitality da Nova School of Business and Economics.
*Artigo de opinião publicado originalmente na edição 219 da Publituris Hotelaria